sábado, 22 de agosto de 2009

Sobre o Capital Inicial

Cada um de nós sabia onde tinha pisado na bola nos anos 80", Fê Lemos


O Capital Inicial está há quase 25 anos na estrada, um feito não muito comum. Menos comum ainda comemorar um quarto de século com sucesso e um público renovado que em muitos casos sequer era nascido quando o primeiro disco (lançado só em 1986) saiu. Claro que nem tudo foram flores. O Capital Inicial foi a última das "três grandes bandas de Brasília" - Legião Urbana e Plebe Rude eram as outras - a gravar um disco completo (lançaram um compacto com Descendo o rio Nilo pela CBS em 1984). Mas o LP quando saiu foi um grande sucesso, com a música Música Urbana na novela Roda de Fogo(Rede Globo) e disco de platina. No ano de 87 tudo parecia brilhar para o grupo: foram convidados para abrir os shows da turnê de Sting pelo Brasil - e sofreram horrores nas mãos dos técnicos do músico inglês – assinaram contrato com o empresário Manoel Poladian e o disco "Independência" já estava com a faixa Independência tocando bastante nas rádios e televisões. Mas não foi bem isso o que aconteceu: o disco acabou com as vendas abaixo do esperado e a parceria com o empresário não funcionou e o cenário do rock brasileiro se afunilaria ainda mais entre os "três grandes" - Titãs, Paralamas do Sucesso e Legião Urbana, deixando pouco espaço para as outras bandas.

Foi assim que o grupo seguiu até meados dos anos 90, quando o vocalista Dinho Ouro Preto pediu as contas (ele montaria a banda Vertigo logo em seguida antes de tentar a carreira solo). Os irmãos e Flávio Lemos (e o guitarrista Loro Jones) continuaram aos trancos e barrancos com o santista Murillo Lima no lugar do antigo cantor até 1998, quando a formação original voltou a se reunir, primeiro apenas para alguns shows comemorativos e depois pra valer. O primeiro passo desse "novo" Capital Inicial, foi o disco "Atrás dos Olhos" lançado nesse mesmo ano e que serviu para colocar a banda de novo em vigor (com direito a boas críticas). Mas a virada mesmo se deu no ano 2000 quando o Acústico MTV da banda, gravado de forma despretensiosa e com pouco apoio da gravadora, acabou por se tornar um dos últimos discos que realmente venderam no Brasil – foram mais de um milhão de cópias. O Capital Inicial chegou ao novo século numa posição inimaginável, agora eles eram a maior banda de rock do país e contavam com um número enorme de fãs adolescentes e pré adolescentes e não só os saudosos dos anos 80. Seguiram-se mais discos de sucessos, a saída de Lôro (substituído pelo ex-Viper Yves Passarell), um disco em homenagem ao Aborto Elétrico (a banda que deu origem a todo o rock de Brasília e que contava com Renato Russo(Legião Urbana) e Fê Lemos na sua primeira formação). Agora em 2007 o grupo está lançando Eu Nunca Disse Adeus , o décimo terceiro disco de carreira (computados discos ao-vivo e os dois lançados com Murilo nos vocais) e foi para lembrar momentos dessa história que conversamos com Felipe Lemos. O papo está logo aí. Entrevista

Ouvindo o disco novo a coisa que se sente é que vocês no geral estão preferindo manter a pegada dos discos mais recentes ao invés de tentarem experimentar. É realmente por aí?

Sim, acreditamos que o Capital Inicial criou um estilo próprio, e que o mais importante agora é trabalhar dentro deste estilo, tentando fazer canções e discos cada vez melhores. As inovações são incorporadas ao nosso estilo, ao invés de tentarmos nos adaptar à elas.
Lendo algumas entrevistas dadas por vocês percebe-se que vocês olham muito para o passado e para os erros e acertos cometidos lá atrás. Funciona assim mesmo? Quando o capital precisa tomar alguma decisão vocês fazem essa revisão?"Aquele que conhece o passado controla o futuro" - Acho que esta citação é de "1984", do George Orwell. A principal decisão que tomamos quando nos reunimos em 1998 foi não repetir os erros do passado. Não foi uma decisão lavrada em cartório, se você me entende, mas cada um de nós sabia onde tinha pisado na bola nos anos 80. Cada um tratou de cuidar do que era sua função dentro da banda, e perceber o mundo pelo o que ele é, e não pelo que queríamos que fosse."Eu nunca disse adeus" é um disco que soa bastante juvenil e isso foi bastante comentado na imprensa. Seria o caso de dizer que vocês estão mais na praia de Ramones, AC/DC e Aerosmith (bandas que sempre buscaram manter o espírito jovem) do que artistas como Bob Dylan, Lou Reed ou Bruce Springsteen (que não se preocupam tanto com isso)?


Sim, inclusive Ramones é nossa principal influência, e AC/DC é um dos grupos favoritos do Dinho. Apesar da sonoridade "juvenil", este disco tem canções que fogem deste estereótipo, como Eu e Minha Estupidez ou Um Homem Só. Como já foi dito, não sei por quem: "Juventude é algo que as pessoas de pouca idade tem em excesso." Isto não quer dizer que as de mais idade a tenham necessariamente perdido.Se somarmos o disco do Aborto Elétrico e o Acústico, o Capital pós 99 já gravou mais discos que o da primeira fase. Quando as diferenças foram postas de lado e a banda retornou vocês imaginavam que iria ser desse jeito?Quando nos reunimos não imaginamos nada disto. Apenas resolvemos voltar a tocar juntos, comemorar os 15 anos da banda, e ver no que ia dar. O que também nos moveu foi a vontade de não deixar a história do rock de Brasília morrer, já que em 1997 a Legião Urbana, a Plebe Rude e nós não existíamos mais. Não tínhamos nenhuma proposta de gravadora, nem projeto de gravar um disco. Tudo aconteceu naturalmente. Não dizem que o mundo conspira a favor? A história da nossa reunião é um exemplo.Chama a atenção no caso de vocês perceber que esse público mais jovem trata o Capital como uma banda contemporânea deles ao contrário das outras bandas dos anos 80 que mesmo admiradas por essa molecada são vistas com um certo distanciamento (por serem bandas no geral que eles "herdaram" de um irmão mais velho ou mesmo de seus pais). É por aí?Sim, e para isto não tenho explicação. Talvez a história da banda. Talvez o carisma e a eterna cara de moleque do Dinho. Talvez porque compomos músicas novas ao invés de viver do passado. Talvez a energia dos nossos shows. Recentemente recebemos uma fã adolescente no camarim, ela devia ter uns doze anos. Entre fotos e autógrafos ela me perguntou quantos anos a banda tinha. "Com o Dinho, 24 anos.", eu respondi. Ela não conseguiu acreditar, ficou olhando para ele e dizia, - "Mas, mas, eu sempre achei que ele tinha uns 25, 26 anos!" - "Então faça a matemática!", eu disse: - "Se a banda tem 24 anos e o Dinho 26, ele começou a cantar com..." e sorri para ela, que não conseguia acreditar no que ouvia. Me senti como um adulto contando para uma criança que Papai Noel não existe..Vendo por esse lado vocês até devem agradecer por terem ficado mais á margem depois do primeiro disco, já que existe bem menos pressão em cima da banda para se "ater aos clássicos" não?

A renovação do nosso público ocorreu ao mesmo tempo que a renovação do nosso repertório. E, ao renovarmos nosso repertório, criamos uma série de novos "clássicos", hoje impossíveis de não serem tocados nos shows.Ficar à margem traz diversas conseqüências. Não foi nada divertido ver o nosso público diminuindo no início dos anos 90, ou um melancólico fim-de-carreira em 1997. Hoje sabemos que fez bem para o Capital Inicial o tempo que estivemos separados do Dinho, com o Murilo nos vocais. O Capital Inicial nunca parou. Não haveria sucesso agora se não tivéssemos segurado a barra 14 anos atrás, quando a banda se separou, ficou sem gravadora e sem músicas novas no rádio e tv durante sete anos.Se há uns 10 anos um homem do futuro aparecesse na sua frente pra contar que o Capital seria uma das maiores bandas brasileiras do século XXI o que você iria pensar? (risos)

Eu pensaria que estava à frente de um homem de visão! Eu sempre gostei do que fiz, e sempre achei a minha banda a melhor. Ao mesmo tempo gravei músicas de qualidades distintas. Eu julgo os méritos do Capital Inicial não pelo sucesso, mas por algumas canções que provavelmente ninguém dá a mínima.Voltando ao passado, o Dinho sempre falava em lançar um livro contando as histórias da turma da colina. Esse livro vai sair? E dá pra contar pra gente ao menos uma das histórias boas que não vão ficar de fora?

Diversas histórias já foram contadas. Tem o DVD do AE. Entrevistas antigas, e novas. O Dinho deve escrever, mas sei lá, deve demorar.

Como era o relacionamento de vocês com as outras bandas de lá. Falo não só do Renato Russo, mas também do pessoal da Plebe Rude e das outras bandas como o finis Africae ou o Escola de Escândalos?

Éramos todos amigos, em diversos graus. O André é o meu melhor amigo, assim como foi o Renato Russo. As pessoas que iam aparecendo se tornavam amigos, e acabavam montando suas próprias bandas. A medida que a turma ia crescendo cada banda tinha seus amigos mais íntimos, os que iam nos ensaios por exemplo. O número de bandas e de shows cresceu até o êxodo das três principais, em 84. Toda noite acontecia alguma coisa, em algum lugar, onde se encontravam "pedaços" da turma, mas era nas festas e nos shows que todo mundo reunia.Por falar em Brasília, depois que vieram pra São Paulo vocês ainda mantiveram (ou mantém) algum vínculo com a cidade? Aquela coisa de saber das novas bandas, visitar os amigos e familiares...Sim, eu e o Flávio. Nossos pais moram lá. Alguns dos meus melhores amigos também. Sobre novas bandas temos poucas notícias. Mas é só perguntar para o Philippe Seabra.O disco novo foi composto pelo Dinho com o Alvin L. Queria saber um pouco desse processo de composição e de como é trabalhar com gente de fora. O resto da banda entra quando nesse processo?


Eu entrei no estúdio com as músicas prontas. Ouvi a demo do CD várias vezes, a banda gravou uma base para mim, e eu toquei sozinho em cima desta base. Foi o meu melhor disco desde o Acústico, exceto o AE.Outro nome constante nos trabalhos da banda é o do produtor Marcelo Sussekind. Queria que vocês me falassem um pouco do trabalho dele com o Capital.Este novo CD é o sexto desde a volta, ele gravou quatro. E dois nos anos 80. Ele nos deixa à vontade. Já nos conhece há tanto tempo que sabe o caminho das pedras. De certo modo ele forjou a nossa sonoridade gravada. Mesmo as músicas mais pesadas não soam tão pesadas. Foi por isso que para gravarmos o projeto AE chamamos o Rafael.Como é ser uma banda que ainda trabalha com uma gravadora grande e lança cds com tiragem alta, verba de divulgação e publicidade nesse mundo de mp3, velocidade de informação e bandas novas que já parecem veteranas com pouco mais de um ano de carreira?

Parece que é mais importante ser novo do que ser bom. Ou será que o que está ficando velho não são as bandas, mas sim a idéia, o conceito de que só o que é novo é que merece atenção? Será que as bandas não ficam datadas justamente por serem datadas? Conseguir um hit no rádio ainda é o maior trunfo de uma gravadora. A gravadora é importante para fazer a música chegar, e tocar, no rádio. Não é tudo o que a gente lança que emplaca, nem nós nem qualquer outro artista. Se a galera não gostar e não quiser ouvir de novo, não tem jabá que faça eles mudarem de idéia.Vocês aderiram aos downloads ou ainda compram cds e discos na mesma proporção que antes?

Eu compro CDs, importados, porque o mercado de CDs de eletrônica nacional está apenas começando. Na verdade faço muito pouco downloads. Eventualmente compro vinis também, mas coisas antigas.Diga dois momentos da história da banda: aquele que você considera o ápice e o ponto mais baixo e deprê pelo qual passaram.São tantas emoções... O primeiro contrato, 1984; abrir pro Sting no Maracanã em 1986; gravar e lançar o Rua 47, 1994; a reunião da volta, num certo dia de fevereiro de 1998; tocar no Rock in Rio 3, 2001; o show em Sorocaba semana passada...

A briga no camarim do Circo Voador, 1993; o primeiro e último show pro Poladian, 1988; o Rock in Rio 2, 1990

Como é a relação pessoal entre vocês hoje em dia. Rola uma amizade como a do início dos anos 80 ou é mais uma coisa de colegas de trabalho? Vocês conversam sobre o período em que ficaram separados?

Rola uma grande amizade, e uma compreensão sobre a banda e cada um de nós que não havia antes. A época da porra-louquice ficou para trás. Não costumamos conversar sobre o passado. Nas entrevistas às vezes fazemos comentários sobre esse período, eu sinto que foi uma época que cada um de nós viveu de uma maneira peculiar, intensa, e individual. E dura... Como disse, todos sabemos que foi uma época decisiva para o que o Capital Inicial é hoje.

Resto do Post

1 comentários:

Unknown disse...

Dahora

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